IML, criminalística e os cadáveres no terreno da igreja, encaminhados para o cemitério no outro dia
O gesto
Foi quase na metade do século XX.
Depois de alugar um quarto em uma pensão, numa manhã gelada e tudo indicando que breve apareceria neve, apenas deixou avisado para a gerente do estabelecimento, que outro dia acordaria cedo para começar a trabalhar.
Acontece que o outro dia, sendo às sete, logo às oito e ainda às nove, nada do inquilino sair para fora do quarto.
Foi a gerente achar esquisito aquilo, bateu uma. Duas. Três vezes, à porta do rapaz.
Logo ouviu:
— Entre.
A matrona abriu a porta. Flagrou o homem sentado numa cadeira. Debruçado numa escrivaninha escrevendo “não se sabia o quê”, num ritmo ligeiro da caneta, dando a entender que não queria perder o pensamento. Perguntou:
— O senhor não iria trabalhar, hoje? — rosto da gerente, que o outro iria lhe dar uma boa resposta, tendo em vista a preocupação dela, com ele.
Ouviu:
— Já estou trabalhando, minha senhora. Sou escritor.
De primeiro momento achando que aquilo só poderia ser uma piada de muito mal gosto, ela procurou entender:
— Mas gente normal, sai cedo. Volta tarde. Já estou acostumada com toda a gente da pensão, que fazem isso. Por isso achei estranho o senhor, não levantar e sair. Por ventura, não perdeu a hora?
Sem tirar o rosto de cima do que escrevia, só se ateu a novamente explanar:
— Sou escritor. Trabalho sentado e, basicamente, com uma folha e uma caneta. Faço disso minha profissão, há anos.
Fazendo uma face rude, e com muito de inocência daquelas que são perdoadas à muitos dos ignorante do mundo, perguntou:
— Mas filho, nossa cidade é tão pequena. Gente inteligente, digo, essas que sabem ler, ou, que quando leem, entendem o que está escrito, são bem poucas, nessa nossa região. Quase ninguém hoje em dia, liga para os livros. Não irás passar fome, ou, perder tempo, tentando deixar as pessoas cultas?
Enxergou quando o inquilino largou de escrever. Procurou a face dela, e disse:
— Sei que é difícil esse mundo, onde tanta gente sai cedo de casa, para ir trabalhar, e volta a noite. Mas aí já começa o duro trabalho do escritor. Até essa verdade que a senhora pensa, cabe ao escritor, deixar esse trabalho ao papel. Pois, a solidão de quem escreve, sempre será lembrado, tentando mudar uma ideia que já está pronta.
Autor: Denis Santos (Guarapuava – PR).
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